quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Aos estudantes ocupados na reitoria da UFRJ e pelo país afora, um texto, pois já não me sobram lutas mais metálicas - Professor Ricardo Kubrusly

Acreditamos, às vezes, que nunca se está em um mesmo lugar, que existir é estar sempre em movimento, que basta um passo a frente e pronto, já não mais se está no mesmo lugar. Nesse contínuo movimento, muitas vezes nos modificamos de tal maneira que já não nos reconhecemos, que olhamos para dentro e, estranhamente, percebemos outra pessoa.
Aí começam muitos problemas, precisamos inventar conexões que nos liguem de volta a nós e que nos de sentido e que expliquem as possíveis mudanças que nos fizeram e que que nos fazem tão diferente de nós mesmos. Como tornar-se o que se é? Como ser tão diferente e continuar sendo o mesmo? É preciso inventar uma história, às vezes uma crença de permanência, que nos convença e que convença aos que em volta de nós insistem em perguntar por versões de nós que já não mais existem. A dificuldade nesse cenário é a de tentar manter uma coerência mínima que nos faça capazes de sermos, por nós mesmos e por outros, reconhecidos.
Acreditamos, às vezes, de outra maneira, que não existe movimento, que somos, do nascimento do corpo e das idéias até as suas mortes, seres fixos, imóveis, dispersos em versões múltiplas de um mesmo eterno e insensível ser universal. Que somos o cosmos e que não somos nada e tudo de uma única vez, vivendo múltiplas ilusões de movimento. Nesse cenário, com várias versões de um mesmo abismo, seríamos o que percebemos e também o seu contrário. Haveria, em meio a tanta injustiça e tanta incompreensão, um mundo, ou uma versão do que chamamos mundo, com uma sociedade justa e plural onde a felicidade possível existiria na concretude da luta e na realização dos desejos.
Mas não estaríamos livres de problemas nessa versão imobilista do mundo. A sociedade justa que buscamos seria apenas uma versão de um confuso contínuo onde todas as possibilidades se misturavam. Lá estariam o capitalismo e suas barbáries múltiplas, o traidor e o traído diferindo apenas por versões diferentes do mesmo, quase que apenas por pontos de vista e a felicidade possível, que neste modelo se concretiza, seria de fato impossível pela contradição que ver-se a si tão múltipla e tão inconseqüente.
Oscilando entre essas duas concepções de mundo, construímos, passo a passo, misturando, ora sem método, ora meticulosamente, realidades, ou o que pensamos sê-las com fantasias , desejos com destino, histórias com literaturas e somos, com medo e coragem, aquilo que somos, no múltiplo e no um que nos tornamos. Somos os jovens que queremos ser no cenário estático do movimento estarrecido, somos a única transformação possível dentro das contradições que nos separam, somos a luta radical que enfim nos move e as conciliações que nos impedem o movimento.
O jovem, capaz de mudar o mundo como a história registra em tantos momentos, não se recorda, nem pode, desse futuro concretizado no adormecido que se lhe reserva, assim como o velho professor carregado de verdades piedosas e de meias verdades, não se lembra, nem quer, da força que o movimento necessita e que o carregou um dia. O mundo é o desejo do mundo. Não esperemos aliados entre nossos velhos adversários. Não esperemos conselhos sábios, eles não existem. A história nos fotografa possibilidades mas não nos ensina caminho. Há que construir verdades, e que sejam provisórias para que não sejam falsas e com elas mudar o mundo e há de ser agora, pois amanhã, além de mortos estaremos acomodados.
Que o espírito do 18 de outubro fique em nós por mais um tempo, que nos possibilite uma vitória e além, que alimente nossos sonhos de viver em um mundo com mais delicadezas, que nos ilumine o caminho improvável que inventaremos.
Assim como a sociedade só se modificará com a força dos trabalhadores em luta, nossas universidades e nossas escolas dependem da força e união do movimento estudantil. Boa sorte.

Professor Dr. Ricardo Kubrusly
Instituto de matemática / UFRJ

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