quarta-feira, 24 de outubro de 2007

SessãoConselhoReuniversitario - Luiz Carlos Paternostro

Não considero que o relato ou a análise dos conselheiros que subscrevemo abaixo-assinado divulgado por email no dia 23/10/2007 sobre os eventos ocorridos na Sessão Extraordinária do Conselho Universitário de 18/10/2007 façam justiça aos acontecimentos, à gravidade da decisão tomada, que transcende de muito os episódios do dia 18 de outubro, nem às razões do movimento nacional que se levantou contra a implantação do decreto do Reuni nas universidades federais. O que não diminui em nada a importância daquele documento, ao contrário.

Em primeiro lugar, não há dúvida, como menciona o abaixo-assinado, de que a data e o horário da Sessão Extraordinária do Conselho Universitário foi, como deveria ser, "ampla e previamente divulgada".Também não há dúvida de que a decisão de mudar o local da sessão para o Auditório do Centro de Tecnologia não impediu o comparecimento de mais de seiscentos estudantes, funcionários e professores contrários ao Reuni(ver http://tv.ufrj.br/consuni/video_consuni_20071018000001.ram ).

Às 9 horas e 30 minutos, quando teve início a sessão, ainda não havia a imensa quantidade de pessoas que viria um pouco mais tarde a lotar o auditório, em sua grande maioria estudantes contrários à implantação do Reuni. O abaixo-assinado pró-Reuni provavelmente se refere aos presentes naquele momento inicial, ao falar da "intensa e rica participação,animada e colorida por faixas e cartazes". A UFRJ estava, no entender do abaixo-assinado, "enfrentando de maneira aberta e mobilizadora os desafios". "Enfrentar os desafios", esta frase não deve estar aqui por mera casualidade. Nela também é possível identificar as forças que sustentam aquela antiga novidade.

"Enfrentar e vencer desafios" é o título do relatório (março de 2000 -ver http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/enfr.pdf ) do antigo Ministro Paulo Renato Souza sobre a educação superior brasileira, documento gestado nos gabinetes do governo federal desde antes de 1995, com o concurso do Banco Mundial. Contra tal projeto muitos de nós lutamos naqueles tempos tucanos: "a reforma em andamento flexibiliza a estruturados cursos de graduação, permitindo certificações parciais para cursos de curta duração", "com a plena autonomia universitária será alcançada maior eficiência no uso dos recursos públicos, que passarão a estar vinculados à eficácia na gestão e ao desempenho de cada instituição","os recursos federais são distribuídos às universidades públicas de acordo com o número de alunos e de concluintes", "as universidades públicas federais têm condições de ampliar de forma considerável o número de alunos sem a necessidade de aumentar, na mesma proporção, o número de professores", "o número de vagas das universidades federais pode aumentar 40%, até 2002, sem que sejam contratados novos professores."

No relato do abaixo-assinado pró-Reuni, da "intensa e rica participação,animada e colorida por faixas e cartazes", chegamos finalmente a "um grupo de estudantes manifestando-se ruidosamente contra algumas políticas governamentais e contra a proposta a ser votada". O que,segundo o abaixo-assinado, "em nada destoava do ambiente geral".

Não destoava? É claro que destoava. Pois o abaixo-assinado pró-Reuni relata que "durante muitos minutos a sessão permaneceu interrompida para que aqueles estudantes entoassem suas palavras de ordem e fizessem ecoar seus tambores e apitos".

Não basta "que estudantes manifestem suas opiniões". Não basta que sejam tolerados. É necessário que sejam ouvidos. Não apenas no "exercício cidadão da disputa democrática que tem por objeto o interesse público",mas para intervir efetivamente a favor do interesse público sempre equando esteja aquele interesse ameaçado.

É claro que destoava. No abaixo-assinado pró-Reuni, o que se enfatiza é a interrupção da sessão, é a demora para alcançar "as condições mínimas para a retomada dos trabalhos". Que trabalhos? A deliberação sobre questões de suma importância e, na opinião da imensa maioria ali presente, de efeitos devastadores para o futuro da universidade e do país. Não se tratava de uma aula, de uma ementa a ser cumprida. É esta burocrática falta de vivência democrática que vê estranha,incompreensível e hostil a expressão dos estudantes, sua inconformidade inacessível, meros "gritos e apupos vindos de parte da platéia", em suma, "muito barulho"; e, máxima incompreensão dos fundamentos da contrariedade: "apesar de o voto da conselheira Professora Lilia Guimarães Pougy ser contrário à aprovação da proposta em pauta, não houve, da parte daqueles que se manifestavam ruidosamente, qualquer consideração pela oradora, como tampouco tinha havido em relação à exposição da Presidente da Comissão de Desenvolvimento".

Assim, não é verdade que os que subscrevem o abaixo-assinado pró-Reuni tenham a "convicção de que a manifestação de idéias, mesmo aos gritos,mesmo acompanhada de estridentes apitos e ribombantes tambores é bem-vinda". O que é inegável é o fato de a manifestação "se pautar pelo legítimo desejo de participar das decisões". Mas, de fato, o problema sempre foi o legítimo desejo e a capacidade de intervir. É exatamente para enfraquecer a capacidade de intervenção da comunidade universitária contrária ao Reuni, nitidamente crescente, que se quer resignificar adecisão atropelada do dia 18 como se esta fosse conseqüência de umatentativa dos estudantes de "impedir a livre manifestação", uma respostaà "ameaça à livre e soberana deliberação das instituições universitárias legitimamente eleitas para exercer a plenitude da autonomia universitária".

Para desqualificar a divergência, o abaixo-assinado pró-Reuni precisa acusar os divergentes: "era evidente que alguns dos assistentes dasessão - poucos ou muitos, não é o que importa e fica difícil estabelecer - já haviam tomado sua decisão: impedir, a qualquer custo,que o Conselho Universitário deliberasse." É igualmente difícil afastar a possibilidade de que alguns dos assistentes da sessão já houvessem tomado a decisão de justificar a aprovação do Reuni a qualquer custo. O que transparece no texto do abaixo-assinado pró-Reuni é, ao lado da tentativa de isolar e estigmatizar um setor combativo do movimento estudantil, a invenção de uma justificativa para aprovar a toque-de-caixa, como resposta a uma suposta provocação, matéria tãopolêmica e importante.

Aqui não se trata de democracia. Todos sabemos que há propostas alternativas e contrárias ao Reuni, entre elas a elaborada por um grupode professores, funcionários e estudantes da UFRJ, em sua maioria do campus da Praia Vermelha, apresentada ao Conselho Universitário antes do início do tumulto que culminou com a deliberação sumária e encerramentoda sessão. Nada disso foi sequer considerado. A Professora Mavi Pacheco Rodrigues não apenas "expôs suas críticas à proposta constante da pauta"ao início do Expediente, como relata o abaixo-assinado pró-Reuni, mas reiterou ao Conselho o pedido de apreciação do projeto alternativo,contrário ao Reuni, subscrito por parte significativa da comunidade universitária.

Como todos sabemos, não faz muito tempo estivemos na UFRJ sob a direçãode um interventor, situação superada com o movimento organizado de vários setores, em particular dos estudantes, que sempre estiveram presentes em defesa da institucionalidade e da autonomia universitária.É extremamente injusto e vergonhoso ver nas manifestações estudantis contra o Reuni, que culminaram nos acontecimentos da sessão do Consuni do dia 18 de outubro, um "atentado à autonomia universitária". Não é possível aos que subscrevem o abaixo-assinado pró-Reuni relativizarem o fato de terem aprovado atropeladamente um projeto lesivo à universidade pública e ao povo brasileiro, este verdadeiramente um atentado contra a autonomia, a de hoje e a de amanhã.

Luiz Carlos Brito Paternostro
Professor da ECO - Escola de Comunicação/UFRJ

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