sábado, 27 de outubro de 2007

CARTA ABERTA A TODOS OS MEMBROS DA COMUNIDADE UFRJ

Senhoras e senhores,

Firme na intenção de contribuir para a construção de um projeto para a UFRJ que aproxime cada vez mais a universidade pública do pleno desempenho do seu papel na concretização de uma sociedade democrática para o Brasil, apresento as seguintes considerações.

1.O Posicionamento do CFCH em relação ao PRE
.
A Decania do CFCH, por meio do seu Conselho Diretor, tem persistido no propósito de contribuir para a integração efetiva entre unidades e centros da UFRJ. No que diz respeito aos posicionamentos relativos ao REUNI e, depois, ao PRE, procuramos assegurar o amplo debate e, igualmente, a liberdade de encaminhamento de posições. Realizamos diversas sessões do Conselho, com expressiva participação da comunidade; tivemos a iniciativa, em conjunto com o CCJE, de convidar a Reitoria para uma discussão sobre o PRE; e estivemos presentes em diversas audiências públicas, defendendo nossos pontos de vista de forma crítica e propositiva, evitando qualquer gesto que estimulasse o sectarismo.
Nosso posicionamento crítico e propositivo, por sinal, está claramente declarado nos três documentos que produzimos para dar nossa contribuição aos debates que vêm ocorrendo nos últimos dois meses na UFRJ. Esses documentos, por um dever de lealdade que nos impusemos, foram apresentados à Reitoria antes de ganhar ampla divulgação na nossa universidade.
O resultado de todo esse processo de discussões no CFCH gerou contribuições importantes para os debates ora em curso. Uma leitura atenta das propostas encaminhadas mostrará dois aspectos merecedores de atenção especial: a diversidade de visões foi respeitada e, com isto, as divergências geraram acréscimos, e não supressões, ao conjunto de reflexões e de propostas, produzindo um retrato mais confiável da nossa complexidade; e mesmo as posições mais radicalmente contrárias às propostas, inclusive à própria adesão ao REUNI, foram expressas de maneira civilizada, sob a forma de documentos com fundamentação acadêmica e, o que mais importante, contendo propostas concretas para a construção de planos de reestruturação e expansão da UFRJ.
Àqueles que acompanham a história da UFRJ e, em particular, a do CFCH não surpreende que o processo esteja transcorrendo dessa forma. Trata-se de um centro que já desenvolve ações concretas de ampliação do acesso e da permanência, por meio da criação de cursos noturnos, do aumento na oferta de vagas e do aproveitamento das vagas ociosas. Para além de REUNI e do PRE, temos uma história de atuação efetiva na democratização da UFRJ, com especial destaque para a graduação e a extensão, nem sempre tão valorizadas, na UFRJ como um todo, quanto a pesquisa e o ensino de pós-graduação.
Não queremos, todavia, defender um monopólio nem uma liderança, mas afirmar que nossa participação histórica na construção democrática nos obriga a agir com muito critério quando se trata de reestruturar e expandir a universidade. Não temos medo da mudança, represente ela o deslocamento que representar. Temos, isto sim, consciência não só da importância de se construir as mudanças institucionalmente, como também das muitas armadilhas que se interpõem entre as propostas, os fóruns em que são aprovadas e os sujeitos que as colocarão em prática. A história da UFRJ é pródiga em exemplos de boas idéias que não se concretizaram porque não havia condição real para tanto. Boas idéias que viraram determinações legais, mas, por não representarem nem a aspiração nem a capacidade de mudança do coletivo, jamais se tornaram realidade.
O posicionamento do CFCH, sem que se esconda ou reprima tendências, mostra uma variedade de posições. Nenhuma delas, no entanto, foi imposta aos seus defensores e, da mesma forma, nenhuma delas se resume à resistência imobilizadora ou protelatória. Muito pelo contrário, em uma rara demonstração de respeito ao contraditório, todas as propostas emanam do debate e todas propõem medidas concretas para a transformação da UFRJ.

2.A Sessão de 18 de outubro de 2007

Declaro publicamente minha intenção de não assinar ou aprovar qualquer documento que proponha dar legalidade ou legitimidade à “votação” ocorrida na sessão do CONSUNI realizada em 18 de outubro de 2007.
Sob o ponto de vista legal, entendo que houve vários equívocos. A votação ocorreu sem que o encaminhamento que estava sendo defendido pelo conselheiro Agnaldo Fernandes fosse votado. Havia conselheiros inscritos para apreciar a matéria, mas a mesma foi votada sem que se abrisse a discussão. Não houve chamada para votos contrários e abstenções nem a contagem e o anúncio do resultado.
No que diz respeito à legitimidade, não reconheço valor suficiente em uma decisão que se tomou em meio a grande tumulto, sem que as partes pudessem se manifestar com tranqüilidade, sem que se esgotasse a discussão e houvesse um mínimo de certeza de que o debate fora realizado.
Ainda que se possa entender que a “votação” tenha tentado configurar-se como um último gesto do conselho, então acuado pelos manifestantes, para manter a sua dignidade, admitir a legalidade e/ou a legitimidade da “votação” de 18 de outubro é firmar perigoso precedente para futuras deliberações da UFRJ. Minha decisão tem, portanto, o objetivo de preservar, por um lado, o CONSUNI e seu Regimento, e, por outro, a via do debate democrático que, por diversos motivos, ficou prejudicada ao longo de todo esse processo.


3.A retomada do diálogo

Logo após a invasão do palco por parte da platéia, eu e as conselheiras Lilia Pougy e Myrian Kaiuca tentamos, solidariamente, uma aproximação com a mesa e os demais conselheiros, no que fomos impedidas pelos manifestantes. Nosso segundo movimento, de retornar ao lugar em que estávamos anteriormente (à esquerda da mesa diretora), foi igualmente frustrado pela ação dos que ocuparam o palco. Naquele momento, havia sinais claros de um início de pânico nos olhares de muitos dos que nos cercavam, motivo pelo qual procurei afastar-me do tumulto, junto com as conselheiras, o que fizemos, não sem dificuldade, descendo do palco pelo lado em que não há escadas.
Eu e a conselheira Lília sequer ouvimos o Magnífico Reitor chamar a votação do Parecer da Comissão de Desenvolvimento e, portanto, não votamos. A Professora Myrian, ao ver diversos conselheiros de braços levantados, supôs tratar-se de proposta de encerramento da sessão.
Preocupado com o que acontecera, acessei a gravação da sessão, disponível na página da UFRJ, com o intuito de entender melhor o que se passara e de refletir sobre situação que considerei grave para a instituição.
Por meio da gravação tomei conhecimento de que, em dado momento da sessão, mais precisamente quando se realizava a encenação de esquete por parte dos estudantes, em frente à mesa diretora, um conselheiro dirigiu-se ao Magnífico Reitor e, próximo ao seu ouvido, chamou atenção para a “satisfação do Marcelo”. Como não há outros conselheiros com este nome, suponho que tenha sido uma referência a mim.
Provavelmente, o conselheiro que fez a observação enxergou em meu semblante algo que justificasse sua observação. Também é provável que seu ato de chamar a atenção do Magnífico Reitor para a minha suposta satisfação, em meio ao confuso clamor oriundo de um conjunto de aproximadamente quinhentas pessoas, tenha tido um propósito construtivo.
Não posso nem quero sondar que motivos animaram o conselheiro, tampouco serei capaz de recordar se, no instante da sua observação, eu estaria, por algum motivo, aparentando satisfação. Posso, contudo, afirmar o que se passou, sob o meu ponto de vista.
Senti muitas coisas. A nenhuma delas classificaria como satisfação. Minha história na UFRJ mostra que tenho procurado agir em nome da ponderação, sempre em busca de gestos conciliatórios. Jamais sentirei satisfação em ambientes de intolerância, em que o diálogo está abafado pelos gritos de todas as partes envolvidas, como foi o caso daquela sessão.
Senti, isto sim, grande frustração, porque todos os gritos, tenham eles vindo de qualquer facção política; toda a intransigência com que cada um impediu os outros de atuar; todo o desrespeito às normas que nós mesmos criamos, não veio isoladamente de meus detratores nem de algum segmento ou movimento ao qual queiramos imputar a culpa pelos lamentáveis acontecimentos de 18 de outubro de 2007.
Em tudo de indesejável que lá aconteceu, estamos todos nós representados, insatisfeitos, tenho certeza, com a estéril polarização que produzimos, todos juntos, no debate acerca dos rumos da UFRJ. Não se pode ter a ilusão de que a divisão que ora vivemos é produto exclusivo de uns poucos arruaceiros interessados em desestabilizar a universidade. Tudo que ocorre é problema de todos nós e assim deve ser tratado, sob pena de voltarmos nossa análise para a busca de vítimas e de culpados, conforme o lado em que nos coloquemos.
Somo educadores e não podemos ignorar que, ao longo de todo esse processo, fomos incapazes de estabelecer o melhor diálogo com os que contestavam decisões, em especial, com parte do movimento estudantil. De nada adiantará eleger heróis e vilões para dar continuidade à história.
Somos seres humanos – incoerentes, imperfeitos, volúveis -, mas também capazes de fazer escolhas que não primem pelo que temos de pior. A superação do momento difícil que enfrentamos virá da disposição coletiva para o diálogo, sem a qual continuaremos a acreditar firmemente que a saída para a UFRJ consiste em vencer disputas internas e aprovar decisões que não conseguimos compartilhar com o todo. A solução depende de uma escolha simples entre dois caminhos: o do confronto e o do diálogo.
Empenho minha solidariedade à Mesa Diretora e aos conselheiros, assim como a todos que estejam em busca de uma UFRJ melhor. Temo, no entanto, que meu gesto de solidariedade e de reconhecimento ao esforço de todos seja insuficiente para a superação dos conflitos havidos. Mais do que reconhecer que houve excessos e atribuí-los aos declaradamente mais radicais, é preciso admitir que houve erros de encaminhamento das discussões, assim como dificuldades diversas para lidar com as manifestações que vêm se repetindo, há bastante tempo, em tom semelhante ao adotado no dia 18 de outubro.
A tarefa de todos da comunidade, e não exclusivamente de dirigentes e membros dos colegiados, é retomar o diálogo e a plena institucionalização das decisões, tão duramente reconstruídos na UFRJ com o esforço produzido por nós nos últimos anos.


Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2007

Marcelo Macedo Corrêa e Castro
Decano do CFCH

Nenhum comentário: